O ser humano é gregário por natureza e apesar do discurso de que se basta, precisa de alguém do seu lado, para quaiquer que sejam as motivações. Médicos, pelo seu suposto poder de vida e morte, sentem-se magicamente onipotentes e independentes e por isso mesmo, são tão sozinhos.

Diferente de alguns animais, que logo após o nascimento são capazes de buscar o próprio alimento, o bicho homem chega ao mundo totalmente despreparado e sua sobrevivência depende de um outro que lhe faça maternagem, que o proteja, aqueça, acolha, ponha nos braços, lhe dê o peito. “Êta” bichinho carente de cuidados e afetos!

Tenho percebido e ouvido muitos queixumes de pacientes acerca dos seus médicos assistentes, de qualquer especialidade, quer nos consultórios particulares, quer nos ambulatórios da rede de assistência pública.

Dizem estes pobres sofredores, que não conseguem, durante as consultas, expor aos médicos, como gostariam, suas dores e mazelas, pois estes aproveitam as consultas e as queixas trazidas, para falar deles próprios e dos seus problemas e experiências pessoais e portanto, já não conseguem ouvir atentos e cautelosos de acordo com as recomendações hipocráticas, como deveriam.

O relato, por conseguinte, é que as consultas médicas ficaram mais comprometidas e mais pobres. O absurdo é que já eram injustificadamente curtas para atender exigências de gestores que imprimem ritmo aos atendimentos para contabilizar produção e ainda por pressão velada de convênios e cooperativas que pagam muito mal aos profissionais médicos, “exigindo-lhes” volume para que possam alcançar um valor de honorários adequados no final do mês.

Ora senhores, é fácil perceber que o tempo de anamnese, exame físico, raciocínio clínico, discussão, prescrição e orientação já era curto demais para a consecução de um trabalho ético e de qualidade e agora, este tempo é preenchido, em parte, por uma inesperada avalanche catártica feita pelos médicos, que enquanto ouvem, pedem apartes que se prolongam por toda a avaliação – “comigo também acontece isso”; enquanto examinam os pacientes os profissionais não param de falar da sua vida privada – briga sindical a favor da greve dos médicos, desentendimento com o cônjuge, preocupação com os filhos; enquanto fazem anotações no prontuário ou prescrevem, despejam um discurso recheado de mágoas, desencantos, depoimentos de todas as natureza e às vezes olhos cheios de lágrimas.

Será que estes “superiores” e paradoxalmente sofridos seres de formação médica não percebem que incomodam seus pacientes? Será que não percebem a inadequação daquela indesejável postura de falar mais de si e ouvir menos os pacientes? Por que estas criaturinhas de Deus não procuram ajuda nos divãs psicanalíticos e poupam os ouvidos dos seus desprevenidos pacientes interlocutores?

O argumento de muitos médicos é que se sentem desconfortáveis – questão de cultura ou falta dela – em buscar ajuda psicanalítica e até psiquiátrica, porquanto francos sintomas de ansiedade, distúrbios do sono, depressão, transtornos fóbicos, síndrome do pânico. Muitos precisam ser medicados (atenção, doutores, evitem automedicação), outros apenas precisam falar e ter a certeza que são ouvidos.

Estes profissionais, são como todo mundo e entre muitos outros, de todas as etnias, crenças, profissões. Eles sofrem de solidão, apesar de nunca estarem sozinhos. É a tal carência estrutural do ser humano. Eles precisam ser aceitos, amados e reconhecidos o tempo todo para poder se subjetivar e continuar vivendo. São muitas responsabilidades e cobranças sobre seus ombros calejados de carregar a cruz pesada que é o cotidiano. Falar e ter respostas, é tudo o que o sujeito quer e efetivamente precisa para poder administrar a dor inevitável de existir, quer seja médico ou não.

A questão é que todos estão voltados para o próprio umbigo. Talvez por isso que os consultórios dos psicanalistas prosperam. Vivemos em uma sociedade narcísica e esvaziada de verdadeira comunicação. Hoje os relacionamentos afetivos são superficiais e passageiros, caracterizando uma anestesia afetiva. Ninguém se interessa verdadeiramente pelo outro. Ninguém mais quer ouvir o outro, nem a mãe, nem a mulher e muito menos os filhos. Amigos? Já se foi o tempo que nosso vocabulário continha palavras como amizade, solidariedade e companheirismo. Pois bem, médicos não possuem amigos, apesar da presença de milhares de colegas e uma multidão de conhecidos e pacientes: estão absolutamente sozinhos.

Médicos, como qualquer outro humano, têm carências, são frágeis e choram – ou sucumbem aos infartos cardíacos ou cerebrais. Só precisam sair do seu pedestal e pedir ajuda para alguém que efetivamente tenha capacidade de acolhê-los nas suas singularidades, fraquezas e limitações. Ganha o médico que recupera sua saúde física e mental. Recupera, inclusive, o respeito do seu paciente que não merece e nem precisa estar ouvindo lamúrias. Ganha o paciente que passa a receber uma genuína atenção sem concorrência às suas dores.

Psicanálise ainda é uma grande possibilidade frente aos conflitos por favorecer ao sujeito uma reflexão sobre suas escolhas. Freud no final de um dos seus clássicos textos “Estudos sobre a Histeria” diz que o objetivo da psicanálise, promovendo a suspensão do sintoma através da fala, é transformar o “sofrimento histérico em infelicidade comum”. A psicanálise não faz falsas promessas, não visa a busca da felicidade, ainda que a felicidade seja aquilo que os todos demandam, mas que seria a obtenção de um impossível.

A proposta da psicanálise é de outra ordem, é dar maior lucidez sobre o mundo, as relações com o outro e sobre si próprio, de sorte que o analisando, médico ou não, possa suportar seus desafios e reconhecer seus limites com mais conforto. Se a felicidade chega, se é que chega, ela vem por acréscimo. Esta, sem duvida, é uma perspectiva ética da psicanálise, que permite ao sujeito uma escolha: escolha da neurose, diz Freud, que significa, um jeito próprio de viver, trabalhar, amar e se relacionar, da forma que nos for possível e sem idealizações. Talvez o sucesso de uma análise implique em perder as ilusões e não sofrer nesta busca desenfreada pela felicidade, pela riqueza, pelo poder.

Doutor, no seu consultório não use da sua posição de superioridade para apropriar-se do curto tempo da consulta a serviço de suas queixas. Você não percebe, mas está perdendo o respeito do seu paciente que se sente obrigado a lhe dar ouvidos. Ah, não esqueça que isto também se constitui em negligência e é passível (absurdo, mas é fato) de denúncia no Conselho Regional de Medicina. Evite que seu paciente fique se solidarizando com suas agruras.

Não é correto e nem justo que um paciente que procure um médico, acabe consolando aquele miserável e desamparado cuidador que inverte os papeis e age como se ainda fosse aquele bebê, recém nascido, chorão e despreparado para a vida.


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