Quarta, 06 de Março de 2013
Escrito por José Júlio Seabra Santos*
Os desinformados, no afã de criticar as Entidades Médicas, não estão atualizados com o trabalho que o CFM e CRM’s vêm fazendo para desclassificar cientificamente as afirmações do governo e maus gestores de que faltam médicos no Brasil.
A OMS, OPAS não definem número desejável de médicos por habitante nem recomendam um único parâmetro ou meta nacional. Ocorre que há estatísticas de países europeus que a própria OMS reconhece que não devem ser aplicadas a outros países, principalmente fora do continente europeu.
Todavia, o governo “acredita” que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um médico para cada mil habitantes e acredita também que dispor de um médico mal formado é melhor do que não oferecer nenhum à população.
Um dos trabalhos mais consistentes para desautorizar esse “mantra ideológico” é o estudo Demografia Médica no Brasil, que teve início em 2011 e que em fevereiro deste ano teve o lançamento do volume 2, realizado pelo CFM/CREMESP/CRM’s: Demografia Médica 2.
Então se fossem contemporâneos, saberiam que já esvaziamos a argumentação que vêem defendendo baseada em postulados ideológicos e que mesmo assim teimam em recolher ou ainda relutantemente estão recolhendo “as armas” dessa argumentação por inconsistência estatística, porque o crescimento da população de 1970 a 2010 foi de 104,8% enquanto a de médicos foi de 530%, onde 42% tem 39 anos de idade.
O país nunca teve tantos médicos em atividade e a perspectiva atual é de manutenção dessa curva ascendente. Enquanto a taxa de crescimento populacional reduz sua velocidade, a abertura de escolas médicas e de vagas em cursos já existentes vive um novo boom. Entre outubro de 2011 e outubro de 2012, foram contabilizados 16.227 novos registros de médicos.
O total de médicos tem crescido acentuadamente nas últimas décadas, mas há a percepção de um cenário de forte desigualdade com relação à distribuição de médicos pelo território de algumas áreas do país e nos serviços públicos de saúde, decorrente da ausência de políticas públicas para o fortalecimento do SUS, que não estimulam a migração e a fixação dos médicos nos vazios assistenciais e nem sua vinculação com a rede pública, da falta de implantação de Plano de Estado de Carreira, Cargos e Salários de Médico, dos vínculos precários de emprego e da ausência de perspectivas.
Sobre a falta de médicos, convém reiterar que o número de médicos no país tem aumentado, mas a solução do fim da desigualdade na distribuição dos médicos e no acesso dos brasileiros à assistência de saúde será alcançado com a adoção de políticas públicas estruturantes, de longo prazo, fundamentada na decisão prioritária dos governos federal, estadual e municipal, em aumentar o volume de investimentos no setor; modernizar e qualificar a gestão e valorizar o Médico e a Medicina, não optando por “importação” de baixa qualidade.
A maioria dos profissionais tem optado por se instalar nos estados do Sul e do Sudeste e nas capitais devido às melhores condições de trabalho. Aqueles que moram no Norte, no Nordeste e nos municípios mais pobres, do interior, se ressentem da falta de investimentos em saúde. Esse cenário se reproduz no acesso da população aos serviços de saúde e aos profissionais.
A simples abertura de mais escolas e de mais vagas em cursos já existentes não basta para reduzir as desigualdades regionais em locais de baixa concentração de médicos, em áreas distantes, do Norte, do Nordeste ou do interior. Após a graduação, o médico recém-formado tende a migrar para outros centros mais desenvolvidos, como São Paulo e Rio de Janeiro, entre outros. De forma geral, as metrópoles se mostram mais atraentes para estes profissionais que as cidades onde nasceram ou se formaram. Este persistente fluxo de médicos em direção aos mesmos lugares pode agravar ainda mais desigualdades e gerar outras consequências indesejadas ao sistema de saúde brasileiro.
A revalidação automática ou facilitada de diplomas de médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior, caso ocorra, não será um fator automático de redução das desigualdades de distribuição de médicos no Brasil. O estudo mostra que, após seu ingresso no país, esse grupo, em sua maioria, tem o mesmo comportamento de todos os outros profissionais formados no país. Ou seja, migram e se fixam nas áreas mais desenvolvidas contrariando o argumento ideológico defendido pelo Governo de que este contingente assumirá os postos nos chamados vazios assistenciais. Isso não acontece porque quando eles se veem nestas zonas se deparam com os mesmos problemas dos médicos brasileiros: falta de infraestrutura para o trabalho, falta de apoio de equipes multidisciplinares, falta de perspectivas de valorização profissional, falta de acesso à educação continuada.
Os médicos têm sido culpabilizados pela falência do sistema público de saúde. Esta é uma falácia, uma simplificação irresponsável do problema. Não se resolverá o problema da sociedade apenas colocando um médico com um estetoscópio em cada município. Esta não é a interiorização da assistência em saúde que esperamos e que o país precisa. Na verdade, como parceiros e defensores do SUS, os médicos esperam que os governos façam sua parte e ofereçam condições reais de trabalho, invistam na melhora da rede serviços e valorizem os profissionais. Essa postura trará ganhos para todos, especialmente para o brasileiro que, finalmente, terá acesso a uma assistência de qualidade.
Apesar de todas as mazelas existentes, se o atendimento à saúde ainda funciona é pelo compromisso dos médicos com a sociedade e pela nossa cobrança pelo envolvimento do governo e de outros setores da sociedade neste debate. É importante que se tenha sempre em mente que as entidades médicas, como instituições, estão sempre interessadas em dialogar e encontrar propostas e respostas para os problemas da assistência de nossa população.
* É presidente do Conselho Regional de Medicina de Sergipe (CREMESE)